Nossa consultora:
Meu nome é Liliane Vieira Moraes, moro em Brasília e sou graduada e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará, bem como Analista em Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Meu contato é: lv_moraes@yahoo.com.br .
Deficiência, limitações e possibilidades:
Minha deficiência é cegueira total, adquirida na vista esquerda aos 16 anos (glaucoma) e congênita na vista direita. Esta deficiência me impossibilita, basicamente, ler obras em papel e a tela do computador sem o auxílio de programas adaptados (por meio de voz sintetizada). No entanto, quem não enxerga pode viver quase normalmente: exercer diversas profissões, praticar atividades físicas, constituir família de modo independente, viajar etc.
Sonhos e percurso universitário:
O meu interesse de cursar universidade foi algo estimulado por minha mãe, desde minha infância. A decisão da escolha da profissão foi algo que floresceu no ensino médio, período em que percebi, em meu comportamento e preferências, uma enorme tendência pela área social, tanto em teoria como na prática. A dúvida inicial nessa escolha deveu-se à incerteza sobre a existência (ou não) de um bom campo de trabalho na carreira de cientista social. Ao pesquisar acerca dessa área e encontrar mais de dezoito possibilidades de campo de atuação, não tardei em escolhê-la.
Minha entrada na universidade foi cercada por inúmeras curiosidades, tanto minhas, para saber mais sobre a grade curricular do curso; quanto por parte dos colegas, que ficavam admirados em constatar uma pessoa cega aprovada no 6º lugar de um curso que teve 80 aprovados, sendo 79 deles sem deficiência. Minha mãe esteve comigo, desde o momento da inscrição no vestibular, até a conclusão da matrícula. Ela também sempre me ajudou a escanear livros, antes e depois de meu ingresso na universidade. Os demais membros de minha família não acreditavam muito na possibilidade de eu vir a cursar uma universidade federal, dada a imensa concorrência. Porém, com o decorrer do tempo e das conquistas adquiridas, eles passaram a acreditar que quase tudo é possível a uma pessoa cega.
Os professores me receberam na universidade com certa preocupação, porém, sempre muito solícitos e abertos às sugestões que lhes pudessem ser dadas, quanto à melhor forma de trabalhar com uma aluna com deficiência . Os funcionários também foram muito receptivos e auxiliaram no que lhes foi possível. Os colegas, além de curiosos, tiveram um receio inicial de formar equipe comigo, pois apesar de admirados por minha conquista, pensavam haver alguma forma de alteração de critério ou "proteção" na seleção do vestibular. Com o passar do tempo, porém, essa mentalidade foi sendo alterada e, a partir do 3o ano, consolidei uma maravilhosa equipe de estudos.
Problemas encontrados e soluções propostas:
As primeiras dificuldades que encontrei na universidade foram quanto à acessibilidade dos textos , que não eram em formato digital ou em Braille e a incredulidade inicial dos colegas no que diz respeito ao meu desempenho nos trabalhos em equipe. As minhas primeiras providências para me incluir no curso foram conversar com os professores, para que eles conhecessem minhas dificuldades e possibilidades, bem como para que interviessem junto aos alunos, para formarem equipes comigo. Também procurava contribuir com a equipe na qual estava, enviando textos que encontrava na internet, debatendo os temas propostos, inclusive fora de sala de aula etc.
Com relação ao apoio da Universidade, quando eu estava no 3º ano da graduação (em 2003) e era a única aluna cega da universidade, organizei uma reunião com a reitoria, envolvendo ex-alunos com deficiência visual, uma associação de pessoas com deficiência e a direção de uma escola estadual especializada. Nessa reunião, apresentamos um documento contendo nossas principais dificuldades e necessidades, tanto no que tange à acessibilidade, quanto aos aspectos atitudinais de professores, recursos pedagógicos etc. Por meio dessa intervenção, conseguimos duas bolsistas para a seção braile da biblioteca central da universidade, as quais, juntamente com a bibliotecária, trabalhavam na reprodução de textos para o braile e para o formato digital.
As virtudes de uma Universidade acessível:
Para que a Universidade tivesse sido mais amigável e inclusiva na minha chegada, os dirigentes poderiam ter promovido alguma intervenção De caráter atitudinal, uma vez que por lá já haviam passado alunos cegos em outros cursos como Letras, Psicologia, Direito e Biblioteconomia. Também poderiam ter mantido atualizados os programas com sintetizadores de voz, instalados no período em que estes alunos cursaram suas graduações. Poderiam, por fim, terem preparado o calçamento mais adequado em todo o campus universitário, uma vez que alunos cegos já transitavam por lá.
Enfatizo a importância e a necessidade de participação dos alunos com deficiência nas discussões sobre qualquer forma de política, projeto ou ações a serem pensadas e/ou implantadas visando à acessibilidade , pois ninguém melhor do que esses atores sociais para descrever suas reais necessidades e indicar as melhores providências para saná-las.
Mensagem aos colegas com a mesma deficiência:
Se não estiverem ainda cursando uma universidade, deixo um estímulo, afirmando que é possível conquistar seu espaço, mesmo que isso necessite de muito esforço pessoal e familiar. Caso já esteja cursando, destaco a necessidade da pessoa com deficiência buscar se inserir nas discussões acadêmicas, políticas e pedagógicas acerca de tudo aquilo que for pensado ou implantado em seu benefício, pois somente nós, que possuímos deficiência, temos a real dimensão de nossas necessidades.
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